Os delegados do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e dos Conselhos Regionais de Economia (Corecons), reunidos no XXVI Simpósio Nacional dos Conselhos de Economia, realizado em Porto Velho (RO), de 19 a 21 de setembro de 2018, aprovaram esta carta aberta, dirigida à sociedade brasileira e aos candidatos à Presidência da República nas eleições deste ano.Inicialmente, pontuamos que, como todos os que acreditam no desenvolvimento do Brasil, queremos que o país retome o caminho do crescimento. Contudo, defendemos que nem tudo é aceitável, como concentrar ainda mais a renda e a riqueza, reduzir direitos trabalhistas, degradar o meio ambiente, atentando-se para a necessária celeridade nos devidos licenciamentos ambientais.
O ajuste fiscal e as reformas são os temas econômicos que têm predominado na grande mídia, com soluções de aparente consenso, porém não têm colaborado com a reversão do quadro, em particular a retomada dos investimentos produtivos, fundamentais para assegurar taxas de crescimento mais altas no futuro. A retomada do crescimento dependerá de políticas públicas ativas, inclusive com a utilização da política cambial. A necessidade de sustentabilidade fiscal é, de fato, consenso entre os economistas, mas não por meio da Emenda do Teto de Gastos e metas de resultado primário da Lei de Responsabilidade Fiscal, devido a seus resultados pró-cíclicos e concentradores de renda. A partir da crise econômica mundial de 2008, iniciou-se um debate internacional, com o apoio até do FMI1, sobre a adoção de regras fiscais mais flexíveis, no curto prazo, que permitissem que os fluxos de receita e despesa fossem usados em políticas anticíclicas. Número crescente de países tem aderido às chamadas “cláusulas de escape”, mantendo limites, de médio e longo prazos, para a dívida ou os gastos.
Ampla reforma tributária, que inverta a regressividade de nossos tributos, aumentando impostos sobre renda e riqueza e reduzindo aqueles sobre o consumo, precisa ser encaminhada. Em particular, impostos sobre dividendos e CPMF alcançam mais os mais ricos e têm grande potencial arrecadatório. Do lado dos gastos, o combate aos privilégios de castas do serviço público, concentradas no judiciário, ministério público e legislativo, pode trazer resultados significativos em termos de desconcentração de renda e eficiência fiscal.
Reforma política estabelecendo regras de financiamento de campanhas eleitorais que não gerem compromissos com interesses privados nem disponibilidade de recursos de origem não identificada, reduziria substancialmente os casos de corrupção como os que têm sido objeto de investigação pela Operação Lava Jato.
A reforma trabalhista e a terceirização irrestrita, por precarizarem as relações laborais e contribuírem para concentrar mais a renda e a riqueza, precisam ser revogadas. A despeito dos argumentos que as defendiam, em curto espaço de tempo constatou-se que essas inovações, como o vínculo intermitente, degradaram ainda mais as condições do trabalhador, com reflexos desfavoráveis à atividade econômica. Soma-se a isso o expressivo aumento do desemprego e da subutilização da força de trabalho.
A população está envelhecendo, o que coloca em pauta a determinação de financiamento sustentável para os benefícios previdenciários. Todavia, equilíbrio atuarial apenas com recursos dos empregadores e empregados, embora indicado para vários dos regimes próprios de previdência social e para a previdência complementar, não deve ser aplicado ao regime geral de previdência social (RGPS). Ao postergar a concessão de benefícios previdenciários no RGPS, onde a grande maioria tem baixas remunerações, sem compensar com transferências aos de também baixa remuneração, causaria elevações das desigualdades, que já persistem, no país, em níveis inaceitáveis. O princípio constitucional, de regime tripartite, em que o governo participa desse financiamento à previdência social, precisa ser observado.
Essas reformas e “contra reformas”, mesmo quando necessárias para ajustar as instituições de modo favorável ao crescimento econômico inclusivo, rápido e sustentado, não são suficientes para assegurá-lo. A visão, repetida de forma alienante, de que tudo que é feito pelo setor público é ineficiente e corrompido, precisa ser desconstruída. Sem políticas adequadas, continuaremos a alcançar, no máximo, periódicos “voos de galinha”. Falhas do Estado vão existir, ao lado das falhas do mercado, mas ambas precisam ser controladas no difícil caminho de elevar a qualidade de vida de todos
Precisamos de empresas, em setores estratégicos, controladas pelo governo. A Petrobrás seria um caso eloquente, para assegurar montante de renda, gerado pelo pré-sal, suficiente para financiar uma revolução em gastos sociais, potencializadores de capital humano, e em infraestrutura, que viabilizariam investimentos privados para garantir o tão desejado crescimento rápido e prolongado. Mesmo enquanto essa renda do pré-sal não está disponível, é indispensável que as desigualdades sejam mitigadas com gastos sociais e os investimentos sejam incentivados com melhorias na infraestrutura, inclusive por meio de concessões.
Bancos públicos, que em momentos críticos têm sustentado o crédito, como no caso da crise financeira internacional de 2008, também são fonte permanente de crédito de longo prazo, em especial o BNDES. Além disso, esses bancos são instrumentos de grande potencial, ainda pouco explorado, para induzir a redução do spread bancário e precisam ser preservados. Para aumentar a disponibilização de crédito de longo prazo e reduzir o spread bancário, ainda é fundamental a ampliação da concorrência no sistema financeiro.
Taxa básica de juros, por décadas tem contribuído para concentrar renda e travar o crescimento econômico. É essencial reduzi-la a níveis internacionais. Para tanto, o governo precisa intensificar o uso de instrumentos adicionais de política econômica, que auxiliem a taxa básica de juros na determinação de níveis adequados de operações de crédito – alterações nos limites do Índice de Basileia e nas alíquotas de recolhimento compulsório, limitação das prestações das operações de crédito.
Também é essencial incentivar setores de alta produtividade, que disseminam ocupações de alta remuneração, adensando cadeias produtivas internas e participando das cadeias globais em segmentos de alto valor agregado. Para tanto, o Brasil precisa se integrar, de modo estratégico, ao novo consenso sobre política industrial, identificado nas políticas públicas atualmente mais bem sucedidas, em diversos países, em que inovação e modernização tecnológica constituem o objetivo central, sem abandonar o suporte de incentivos fiscais e creditícios. Nesse sentido, o governo americano consignou US$2,4 bilhões, no orçamento de 2016, para o financiamento de atividades de P&DI na indústria de transformação avançada, permanecendo com os tradicionais gastos militares com P&DI, grande parte aproveitável pela indústria civil. A China vem adotando programas de ciência e tecnologia com enfoques setoriais, utilizando subsídios, financiamento de capital próprio e incentivo fiscal, com ênfase no estímulo à utilização de tecnologias digitais.2
As desigualdades regionais de qualidade de vida continuam evidenciando uma herança escravocrata, para cuja superação pouco se fez nas regiões menos desenvolvidas. Assim, as políticas de desenvolvimento, como os investimentos em infraestrutura, em capital humano e em pesquisa, desenvolvimento e inovação, precisam ser ainda mais intensificadas no Norte e no Nordeste.